O contribuinte paga a conta

Está na mesa da presidente Dilma Rousseff o reajuste da tabela do Imposto de Renda, motivo de uma queda de braço entre governo e Congresso Nacional desde o fim do ano passado. O Planalto tinha determinado, na Medida Provisória 644, um reajuste de 4,5%. A porcentagem foi rejeitada pelos parlamentares, que incluíram na MP 656 uma correção diferente, de 6,5%, na última sessão de votações do Congresso em 2014. É este reajuste que Dilma deve aceitar ou rejeitar. Ainda no ano passado, lideranças do governo já haviam dado o veto como certo; na terça-feira passada, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, foi lacônico ao ser questionado sobre o tema: “Em relação à tabela, não sei o que te dizer. A proposta do governo era 4,5%”, afirmou.
 
Para se ter uma ideia do impacto do reajuste, hoje estão isentas do Imposto de Renda as pessoas físicas que recebem até R$ 1.787,77 mensais. Com a correção de 6,5% na tabela, o patamar de isenção passaria a ser de R$ 1.903,98. Mas, com o reajuste de 4,5%, passariam a ficar isentos os que ganhassem até R$ 1.868,21. Um trabalhador cujo salário fosse apenas um pouco menor que a linha de isenção e recebesse um aumento correspondente à inflação (que em 2014 foi de 6,41%) permaneceria isento se valer o que foi decidido pelo Congresso, mas poderia começar a pagar IR se prevalecer a vontade do governo. O mesmo raciocínio se aplica aos valores que delimitam a mudança de alíquotas do imposto (hoje em 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%).
 
Reportagem do jornal O Estado de S.Paulo de 10 de janeiro mostra que, desde 1996, quando a tabela do IR passou a usar como base o ganho em reais, a defasagem em relação à inflação é de 63,4%. Como consequência, cada vez mais pessoas são incluídas na base de cálculo e ficam obrigadas a pagar o IR, ainda que seus salários sejam reajustados apenas com a reposição das perdas inflacionárias. Pelas contas do SindiFisco, se a tabela do IR tivesse sido corrigida de acordo com a inflação desde 1996, estariam isentos todos os que ganhassem abaixo de R$ 2.937 mensais (hoje, quem recebe esse valor está dentro da faixa que paga 7,5% de IR).
 
Em outras palavras, a omissão deliberada do governo, que deixa de reajustar a tabela do IR de acordo com a inflação, pune o assalariado e é uma maneira torta de aumentar ainda mais uma carga tributária que já é das mais pesadas do mundo, especialmente quando se considera a qualidade do serviço público oferecido em troca. Como mudanças de alíquotas sempre têm grande repercussão, positiva ou negativa (basta observar os casos recentes do IPI e do IOF), usa-se um truque que permite aumentar a arrecadação sem mexer nas alíquotas.
 
Também não se pode deixar de verificar que os números sobre os quais governo e Congresso divergem têm seu valor simbólico. O reajuste que o Planalto quer na tabela do IR, de 4,5%, é correspondente ao centro da meta de inflação, meta que há muito Dilma já tinha desistido de perseguir, contentando-se em não rasgar o limite máximo de tolerância para o IPCA, que é de 6,5% – justamente o reajuste determinado pelo Congresso. É sintomático que os 4,5% valham na hora de atingir o bolso do contribuinte brasileiro, mas sejam quase ignorados na hora de combater a inflação que tanto castiga esse mesmo bolso.
 
Após a votação no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP) deu uma declaração contraditória, mas reveladora do ânimo que move o governo. “Sou contra qualquer forma de arrocho, mas entendo que cada centavo é importante neste momento”, disse, deixando claro que, se tiver de escolher, ficará com o arrocho. Na briga pelos centavos a mais nos cofres públicos, a tentação de arrecadar mais está prevalecendo sobre o esforço para gastar menos. A conta, como sempre, fica para o contribuinte.
 
Editorial da Gazeta do Povo